sábado, 3 de abril de 2010

Eça de Queirós

Olho o telegrama que o boletineiro me acaba de entregar à porta. Sousa é lacónico: «Eça de Queirós morreu ontem entardecer. No Orfanato vizinho crianças cantavam Miserere».
Saio para ir à redacção entregar a entrevista ao Neves. Amanhã a minha prosa terá, pela primeira vez, honras de primeira página. O dia está bonito, quente e luminoso. Os choras e os americanos percorrem as ruas tilintando. Na Rua dos Douradores há carroças, cheiro à urina e aos excrementos dos cavalos. Dois galegos de corda ao ombro estão à esquina da Rua da Assunção conversando. Desço a Rua de Santa Justa. Da porta do Café Patinhas, fumando um charuto, o Lopes, um rapaz que estudou comigo em Coimbra, grita-me uma tontice qualquer. A Rua Augusta, a Rua do Ouro são percorridas por carruagens e trens de praça. Começo a subir as escadas do elevador, rumo à Rua do Carmo. Tudo está na mesma. Lisboa, o país e o mundo estão completamente indiferentes à morte de Eça. Os navios fazem-se ao mar, nos bancos as letras são descontadas, as fábricas laboram, o comércio vende... tudo segue o seu rumo. Como se não estivéssemos hoje muito mais pobres do que ontem!
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A OBRA DE EÇA DE QUEIRÓS
1866/67 - Eça de Queirós estreia-se como escritor com a publicação na Gazeta de Portugal de textos que, após a sua morte, viriam a ser parcialmente compilados no volume Prosas Bárbaras (1903). Em edições posteriores, incluíram-se textos que não tinham sido seleccionados para a primeira edição. De Janeiro a Outubro de 1867, Eça esteve quase exclusivamente ocupado com a redacção do jornal Distrito de Évora. Aqui publicou algumas narrativas, tais como O Réu Tadeu e Farsas.
1869 - Publica na Revolução de Setembro e em O Primeiro de Janeiro algumas poesias atribuídas a um poeta imaginário  Carlos Fradique Mendes.
1869/70 - O escritor realiza uma viagem ao Próximo Oriente para assistir à inauguração do canal de Suez. No Diário de Notícias publica a reportagem De Porto Said a Suez que no volume póstumo O Egipto viria a ser completada com Notas de Viagem e com Folhas Soltas, apenas editadas em 1966. Em 1870 a Revolução de Setembro publica uma série de nove capítulos (que viria a ficar incompleta) sobre a Morte de Jesus e que seria também integrada no final de Prosas Bárbaras. Nestes textos podemos encontrar esboços quer de o Suave Milagre quer de A Relíquia. Ainda em 1870, de colaboração com Ramalho Ortigão, publica em folhetins no Diário de Notícias uma imaginária reportagem jornalística, O Mistério da Estrada de Sintra.
1871 - Da produção deste ano destaca-se a sua conferência no Casino Lisbonense sobre O Realismo como Expressão de Arte. Também com Ramalho Ortigão, inicia a sua colaboração em As Farpas. Pertence-lhe, aliás, o texto inicial dessa série de comentários críticos e satíricos O Estado Social de Portugal. Sai a 1.ª edição em volume de O Mistério da Estrada de Sintra.
1875 - O primeiro romance de Eça, O Crime do Padre Amaro, sai em folhetins na Revista Ocidental. Virá a ser publicado em volume no ano seguinte, com muitas alterações. Na edição de 1880, considerada definitiva, sofrerá uma revisão ainda maior.
1878 - É publicado o segundo romance, O Primo Basílio, primeiro grande êxito literário do escritor.
1879 - Escreve O Conde de Abranhos, que só virá a ser publicado postumamente.
1880 - Publica O Mandarim.
1883 - Escreve a novela Alves & Ca. que só em 1925 será publicada.
1884 - É publicada a 2.ª edição, refundida, de O Mistério da Estrada de Sintra.
1887 - Publicação de A Relíquia.
1888 - Publica Os Maias, magistral romance que constitui a consequência de textos que deixa sem redacção definitiva: A Capital e A Tragédia da Rua das Flores. Em O Repórter, publica os primeiros textos que, após posterior revisão de Júlio Brandão, virão a ser reunidos em A Correspondência de Fradique Mendes (1925).
1900 - Já após o falecimento do escritor, sai a público o primeiro volume de A Ilustre Casa de Ramires. Esta obra tinha tido já uma versão incompleta na Revista Moderna (1877-99).
1901 - É publicado o romance A Cidade e as Serras, com texto revisto por Ramalho Ortigão e Luís Magalhães.
1902 - Saem os Contos.
1903 - Prosas Bárbaras.
1905 - Cartas de Inglaterra e Ecos de Paris.
1907 - Cartas Familiares e Bilhetes de Paris.
1909 - Notas Contemporâneas.
1912 - Últimas Páginas.
1925 - A Capital, O Conde d’Abranhos, Correspondência, Alves & Ca.
1926 - O Egipto.
1929 - Cartas Inéditas de Fradique Mendes e mais Páginas Esquecidas.
1940 - Cartas de Londres.
1944 - Cartas de Lisboa e Crónicas de Londres.
1949 - Eça de Queirós entre os seus (Cartas Íntimas).
1961 - Cartas de Eça de Queirós aos seus editores.
1980 - A Tragédia da Rua das Flores.

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Nesta entrevista imaginária, todas as respostas de Eça foram organizadas com recurso a diversos textos do escritor. E embora em alguns casos se tenham introduzido pequeníssimas alterações de forma e de pormenor, procurámos sempre respeitar o conteúdo e a substância das afirmações queirosianas.

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